Conclamados pela carta do poeta e jornalista Javier Sicilio [1], milhares de homens e mulheres das bases de apoio do EZLN começam a marchar totalmente em silêncio do Centro Indígena de Capacitação Integral (Cideci) rumo à Praça da Paz, como parte da Marcha Nacional pela justiça e contra a impunidade. Mais informações sobre a marcha podem ser encontradas aqui [2]. Ao terminar o discurso o comandante David culmina com o punho esquerdo levantado, repetindo 7 vezes a mensagem dirigida à todas as vítimas e familiares da guerra de Calderón: “Não estão sós!”
7 de maio de 2011
Mães, pais, familiares e amigxs dxs vítimas da guerra no México; Companheiras e companheiros das bases de apoio Zapatistas de diferentes zonas, regiões, povos e municípios autônomos rebeldes Zapatistas; Companheiras e companheiros da Outra Campanha e aderentes da Sexta Declaração da Selva Lacandona no México e no mundo; Companheiras e companheiros da Zezta Internacional; Irmãs e irmãos de diferentes organizações sociais; Irmãos e irmãs das organizações não-governamentais e defensoras dos direitos humanos; Povo do México e povos do mundo; Irmãs e irmãos, companheiros e companheiras:
Hoje estamos aqui milhares de homens, mulheres, crianças e senhorxs do Exército Zapatista de Libertação Nacional para dizer nossa pequena palavra.
Hoje estamos aqui porque pessoas de coração nobre e dignidade firme nos convocaram a manifestarmo-nos para parar a guerra que há enchido de tristeza, dor e indignação os solos do México.
Porque nos sentimos impelidos pelo chamado de clamor de justiça de mães e pais de crianças que foram asassinadxs por bala e pela arrogância e torpeza dos maus governos.
Porque nos sentimos chamados pela raiva digna de mães e padres de jovens assassinadxs por grupos criminosos e pelo cinismo governamental.
Porque nos sentimos convocados pelos familiares de mortxs, feridxs, mutiladxs, desaparecidxs, sequestradxs e encarceradxs sem ter culpa ou delito algum.
E isto é o que nos dizem suas palavras e seus silêncios:
Que a história do México volta-se a manchar-se de sangue inocente.
Que dezenas de milhares de pessoas foram mortxs nessa guerra absurda que não leva a nenhuma parte.
Que a paz e a justiça não encontram já lugar em nenhum dos rincões de nosso país.
Que a única culpa dessas vítimas é ter nascido ou vivido em um país mau governado por grupos legais e ilegais sedentos de guerra, de morte e
de destruição.
Que esta guerra tem tido como principal alvo militar a seres humanos inocentes, de todas as classes sociais, que nada têm que ver com o narcotráfico nem com as forças governamentais.
Que os maus governos, todos, o federal, o estatal e municipais, têm convertido as ruas em zonas de guerra sem que quem as caminhe e trabalham estejam de acordo e vejam alguma forma de resguardar-se.
Que os maus governos têm convertido em zonas de guerra as escolas e universidades públicas e privadas, e as crianças e os jovens não entram nas aulas senão emboscadas de um ou outro ando.
Que os lugares de reunião e diversão são agora objetivos militares.
Que ao caminho do trabalho se caminha com a angústia de não saber o que vai acontecer, de não saber se uma bala, seja dos delinqüentes ou seja do governo, vai derramar seu próprio sangue ou de um parente, ou de umx amigx.
Que os maus governos criaram o problema e não somente não o resolveram, mas que o tem estendido e aprofundado por todo o México.
Que há muita dor e pena por tanta morte sem sentido.
Que se pare a guerra.
Que não haja mais sangue.
Que estamos até a mãe. [3]
Que já basta.
As palavras e os silêncios dessas boas pessoas mão representam aos maus governos.
Não representam aos crimonosxs que roubam, despojam, seqüestram e assassinam.
Tampouco representam a quem, desde a classe política, quer sacar ganhos desta desgraça nacional.
Os silêncios e as palavras dessas pessoas são de gente simples, trabalhadora, honesta.
Essas pessoas não querem um benefício pessoal.
Somente querem justiça e que a dor que sentiram e sentem não chegue aos corações de outras mães, outros pais, outros familiares, outras amizades, de crianças, jovens, adultos e senhorxs que não fazem outra coisa do que tratar de viver, de aprender, de trabalhar e de seguir adiante com dignidade.
Os seja, que as palavras, os silêncios e as ações destas boas pessoas demandam algo muito simples: uma vida com paz, justiça e dignidade.
E o que os responde o governo?
Os pais e as mães de umas crianças muito pequenas que morreram e se lastimaram em um incêndio por culpa dos maus governos, demandam que se faça justiça, ou seja que se castiguem os culpados, mesmo que sejam parentes ou amigxs do governo, e que não volte a se repetir esse crime, para que outros pais e mães não morram um muito ao morrer suas filhas e seus filhos.
E o governo lhes responde com declarações e promessas mentirosas tratando de cansá-los e de que esqueçam eles e a nós sua desgraça.
Os parentes e amizades de uns estudantes que foram assassinados dentro de uma universidade privada demandam que se conheça o que passou e que se faça justiça e não volte a repetir o crime de converter os centros de estudo em campos de batalha para que outros familiares, amizades, professores e companheiros de estudo não morram um muito ao morrer os estudantes.
E o governos lhes responde com declarações e promessas mentirosas, tratando de cansá-los e de que esqueçam eles e a nós a sua desgraça.
Os habitantes de uma comunidade honesta e trabalhadora, criada de acordo com seu pensamento próprio, organizaram-se para construir e defender a paz que necessitam, combatendo ao crime que o governo protege. Por isso um de seus habitantes é seqüestrado e assassinado.
Seus familiares e companheiros pedem justiça e que não volte a repetir o crime de que se matem o trabalho e a honestidade. Para que outrxs familiares e companheirxs não morram um muito ao morrer aquelxs que lutam pelo coletivo.
E o governo xs responde com declarações e promessas mentirosas, tratando de cansá-los e de que esqueçam eles e a nós a sua desgraça.
Uns jovens, bons estudantes e bons desportistas, se reúnem para divertir-se ou saem para passear ou conversar sanamente. Um grupo criminal ataca o lugar e os assassina. E o governo os volta a assassinar ao declarar que esses jovens eram criminosos que foram atacados por outros criminosos. As mães e os pais demandam justiça e que não volte a se repetir os delitos de não proteger aos jovens e de acusá-los injustamente de serem delinqüentes, para que outras mães e pais não morram um muito ao morrer duas vezes o sangue que para estar viva nasceu.
E o governo xs responde com declarações e promessas mentirosas, tratando de cansá-los e de que esqueçam eles e a nós a sua desgraça.
Companheiros e companheiras, irmãos e irmãs:
Fazem alguns dias começou a caminhar em silêncio o passo de um pai que é poeta, de mães, de pais, de parentes, de irmãos, de amizades, de conhecidos, de seres humanos.
Ontem foram suas dignas palavras, hoje é seu silêncio digno.
Suas palavras e seus silêncios dizem o mesmo: queremos paz e justiça, ou seja, uma vida digna.
Essas pessoas honestas estão pedindo, demandando, exigindo do governo um plano que tenha como principais objetivos a vida, a liberdade, a justiça e a paz.
E o governo lhes responde que seguirá com seu plano que tem como principal objetivo a morte e a impunidade.
Essas pessoas não buscam ser governo, senão que buscam que o governo procure e cuide da vida, da liberdade, da justiça e da paz dos governados.
Sua luta não nasce de interesse pessoal.
Nasce da dor de perder a alguém que se quer como se quer a vida.
Os governos e seus políticos dizem que criticar ou não estar de acordo com o que estão fazendo é estar de acordo e favorecer aos criminosos.
Os governos dizem que a única estratégia boa é a que ensangüenta as ruas e os campos do México, e destrói famílias, comunidades, ao país inteiro.
Mas quem argumenta que tem ao seu lado a lei e a força, somente o faz para impor sua razão individual apoiando-se nessas forças e nessas leis.
E não é a razão própria, de indivíduo ou de grupo, a que deve impor-se, senão a razão coletiva de toda a sociedade.
E a razão de uma sociedade se constrói com legitimidade, com argumentos, com ponderações, com capacidade de convocatória, com acordos.
Porque quem impõe sua razão própria, somente divide e confronta. E é assim incapaz de razão coletiva e por isso deve refugiar-se na lei e na força.
Uma lei que somente serve para garantir impunidade a parentes e amigxs.
Uma força que está corrompida desde muito tempo.
Lei e força que servem para despojar de um trabalho digno, para solapar inaptidões, caluniar, perseguir, encarcerar e matar a quem questiona e se opõe a essa razão, a essa lei e a essa força.
Ter medo da palavra das pessoas e ver em cada crítica, dúvida, questionamento ou reclame uma intenção de abalo é algo próprio de ditadores e tiranos.
Ver em cada dor digna uma ameaça, é de doentes de poder e avareza.
E mal faz o mando que diz a seus soldados e polícias que escutar pessoas nobres e boas é um fracasso,
Que deter uma matança é uma derrota,
Que corrigir um erro é render-se,
Que pensar e buscar melhores caminhos para servir melhor às pessoas é abandonar com vergonha uma luta.
Porque o saber escutar com humildade e atenção ao que diz as pessoas é virtude de um bom governo.
Porque saber escutar e atender o que as pessoas calam é virtude de gente sábia e honesta.
Companheiros e companheiras, irmãos e irmãs:
Hoje não estamos aqui para falar de nossas dores, de nossas lutas, de nossos sonhos, de nossas vidas e mortes.
Hoje estamos aqui para assinalar caminhos, nem para dizer o que fazer, nem para responder à pergunta que se segue.
Hoje estamos aqui representando a dezenas de milhares de indígenas Zapatistas, muitos mais do que hoje nos vêm, para dizer-lhes a esse digno passo silencioso:
Que em sua demanda de justiça…
Que em sua luta pela vida…
Que em seu sinal de paz…
Que em sua exigência de liberdade…
Nós, Os Zapatistas, As Zapatistas, xs compreendemos e xs apoiamos.
Hoje estamos aqui para responder ao chamado daquelxs que luitam pela vida.
E a quem o mau governo responde com a morte.
Porque disso se trata tudo isso, companheirxs.
De uma luta pela vida e contra a morte.
Não se trata de ver quem ganha entre os católicos, evangélicos, morons, presbiterianos ou de qualquer religião ou não crenças.
Não se trata de ver quem é indígena e quem não é.
Não se trata de ver quem é mais rico ou mais pobre.
Não se trata de quem é de esquerda, de centro ou de direita.
Não se trata de se são melhores os Panistas, os Priístas ou os Perredistas ou como se chame a cada qual ou todsx que são iguais de maus.
Não se trata de quem é Zapatista ou não é.
Não se trata de estar com o crime organizado ou com o crime desorganizado que é o mau governo.
Não.
Do que se trata é de que para poder ser o que cada um escolhe ser, para poder crer ou não crer, para eleger uma crença ideológica, política ou religiosa, para poder discutir, acordar ou desacordar, são necessárias a paz, a liberdade, a justiça e a vida.
Companheirxs, Irmãos e irmãs:
Essas nobres pessoas não estão chamando ou convencendo para ser de uma religião, uma idéia, um pensamento político ou uma posição social.
Não nos estão clamando a abandonar um governo para colocar outro.
Não nos estão dizendo que há de votar por um ou por outro.
Estas pessoas nos estão convocando a lutar pela vida.
E somente pode haver vida se há liberdade, justiça e paz.
Por isso essa é uma luta entre aquelxs que querem a vida e aquelxs que querem a morte.
E nós, As Zapatistas, Os Zapatistas, elegemos lutar pela vida, a dizer, pela justiça, pela liberdade e pela paz.
Por isso…
Hoje estamos aqui para dizer-lhes simplesmente essas palavras à essas boas pessoas que em silêncio caminham, que não estão sós.
Que escutamos a dor de seu silêncio, como antes a digna raiva de suas palavras.
Que em seu parar a guerra…
Que em seu não mais sangue…
Que em seu estamos até a mãe…
Não estão sós!
Companheirxs, Irmãos e irmãs:
Viva a vida, a liberdade, a justiça e a paz!
Morte a morte!
Para todos tudo, nada para nós!
Democracia!
Liberdade!
Justiça!
Desde as montanhas do Sudeste Mexicano. Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena. Comando Geral do Exército Zapatista de Liberação Nacional. Subcomandante Insurgente Marcos.
México, 7 de maio de 2011.
fonte: http://desinformemonos.org/2011/05/palabras-del-ezln-en-la-movilizacion-de-apoyo-a-la-marcha-nacional-por-la-paz/
[1] http://yosoylavoz.org/blog/archives/1608?lang=pt
[2] http://desinformemonos.org/2011/05/arranca-marcha-zapatista-contra-la-impunidad/ e http://desinformemonos.org/2011/05/el-ezln-se-moviliza-con-el-resto-del-pais/
[3] “Estamos até a mãe” – expressão em espanhol que signifiga algo parecido com “estamos de saco cheio”. Como foi o título da carta convocatória do poeta Javier Sicilia, achamos por bem permanecer em seu sentido literal.